CARNAVAL
BRASILEIRO - UMA GRANDE SAUDADE
Beni Galter - Sta. Bárbara D'Oeste
Segundo as leis naturais, o homem tem como destino final a perfeição.
O caminho da evolução é só um, e não
tem volta. Com a nossa desinformação, podemos até
retardar o nosso progresso, dificultar o nosso aprendizado, podemos diminuir
o seu ritmo, chegando mesmo à quase estagnação. Mas
regredir nunca. Esta é a lei.
Mas, durante o nosso trajeto, cometemos tantos erros, adotamos atitudes
quase irracionais, destruímos tantas coisas boas e vitais, que um
observador atento terá a impressão de que estamos regredindo,
contrariando, portanto, a lei natural.
Com o nosso carnaval aconteceu isso. Na ânsia do dinheiro fácil,
algumas criaturas conseguiram transformar a maior e mais autêntica
festa popular do mundo, festa criada pelo povo, que tinha a liberdade de
brincar em plena rua durante três dias consecutivos, extravasando
as suas alegrias, tristezas, recalques, de maneira sadia.
O cidadão comum, o médico, o advogado, o operário
passava o ano inteiro cumprindo suas obrigações naquela postura
de homem sério, cumpridor de todos os seus deveres e obrigações.
Aí chegava o carnaval. O mesmo cidadão se transformava: fantasiado
de nega maluca ou bebê chorão e, sob os olhares complacentes
da sociedade, vestia uma camisa listrada e saía por aí ...
E durante os três dias de carnaval brincava, cantava, sambava de
maneira muito louca, esquecendo completamente da falta d’água, do
preço do aluguel, da falta de casa para morar, do alto custo de
vida ... Tudo isso ao som de sambas e marchinhas carnavalescas, feitas
especialmente para o reinado de momo, utilizando como tema os problemas
de todos os brasileiros que os compositores exploravam com inteligência
e malícia em suas músicas alegres, mas que traduziam a seriedade
de uma crítica social muito bem feita.
Este era o carnaval verdadeiro, o carnaval do "Mamãe-eu-quero",
da "Jardineira", "Confete" e "É dos carecas que elas gostam mais",
e outras obras-primas de nossa música.
Hoje o carnaval ainda é uma grande festa. Uma festa organizada para
os desfiles de escolas de samba, com luxuosas fantasias exibidas por pessoas
da alta sociedade, por artistas notoriamente conhecidos, ou por jogadores
de futebol. Uma festa cujo principal objetivo consiste em atrair turistas
- de preferência internacionais - para os luxuosos camarotes das
avenidas, vendidos a peso de ouro. Para o povo, o verdadeiro dono da festa,
restam três opções: assistir pela televisão,
o que é praticamente impossível, tal o tipo de imagens que
entrarão em nossos lares, ir para a avenida e pagar ingresso, ou
tentar desfilar numa escola de samba, o que é praticamente impossível,
tal a guerra que existe pela disputa dos lugares.
As músicas carnavalescas não existem mais. Hoje o que temos
é o samba-enredo. Quase sempre uma música chata, monótona,
cuja letra fala num montão de besteiras sem pé nem cabeça,
e que é composta com o único objetivo de dar sustentação
ao desfile da escola por algumas horas, sendo logo depois esquecido por
todos.
Para Almirante (Henrique Domingues Foreis ), as músicas de carnaval
que eram feitas para o povo cantar, começaram a aparecer por volta
de 1910 a 1913.
"Pelo Telefone", gravada por Donga em 1917, marcaria o início de
um novo carnaval, o carnaval dos sambas e marchas. Em 1918, um ano após
o aparecimento de "Pelo Telefone", já foram compostas oito músicas
especialmente para o carnaval daquele ano.
Em 1928, foram feitas 120 músicas para o reinado de momo. Em 1931,
este número aumentou para 350. O ano de 1957, tínhamos mais
de 600 músicas feitas exclusivamente para aquele carnaval. Depois
vieram as mudanças, que culminaram com a última composição
específica para o carnaval feita em 1968/1969.
Hoje, para as pessoas com 40 anos ou mais, o carnaval brasileiro é
realmente uma grande saudade. Uma saudade com um misto de desencanto, de
frustração, fazendo com que nos preocupemos com aquela máxima
que diz: "Um povo que não preserva as suas origens perde a sua identidade.
Um povo que não sabe de onde veio, não saberá para
onde ir."
Santa Bárbara d’Oeste, 03 de Fevereiro
de 1998
Beni Galter é empresário e radialista.
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