Silvio
Caldas - O Seresteiro do Brasil
Beni Galter
O "caboclinho querido", que interpretava "No Rancho Fundo" de maneira inigualável,
Silvio Narciso de Figueiredo Caldas, nasceu na cidade do Rio de Janeiro,
em 23 de maio de 1908, onde residia à rua São Luiz Gonzaga
n. 209 no bairro São Cristóvão. Seu pai, o senhor
Antonio Narciso Caldas, era consertador e afinador de pianos, e sua mãe,
Dona Alcina Figueiredo Caldas, era do lar.
O menino Silvio teve uma infância normal, salvo pelo fato de ter
estreado no teatro de revista aos 6 anos de idade, dublando e cantando
uma canção brejeira.
Embora desde cedo demonstrasse grande facilidade para o canto, seus pais
resolveram o colocar para trabalhar em uma oficina mecânica, como
aprendiz de mecânico de automóveis. Nesta época, Silvio
tinha 9 anos de idade e uma imensa vontade de ser cantor.
Lançado no teatro de revista por Ary Barroso - foi também
uma composição de Ary, o primeiro grande sucesso de Silvio:
"Faceira". Um samba que Silvio cantou em uma revista musical.
Foi tão grande o sucesso alcançado que teve de repetir a
música algumas vezes, tal o entusiasmo do público que não
parava de aplaudir, solicitando a presença do cantor no palco por
vezes seguidas.
A infância do menino Silvio Caldas era dividida entre o trabalho
e os brinquedos, já que começou a trabalhar muito cedo.
No carnaval, saía montado no pescoço dos remadores do São
Cristóvão que formavam o bloco carnavalesco "Família
Real".
O tempo foi passando e Silvio aprendendo depressa. Aos 16 anos, já
estava morando em São Paulo, onde trabalhou em várias oficinas,
sempre cantando nas horas de folga. Além de mecânico, foi
motorista, tendo viajado e conhecido todo o interior de nosso Estado.
Até se profissionalizar como cantor, Silvio Caldas exerceria as
mais diversas profissões: cozinheiro, lavador de carros, mecânico
de caminhões e garimpeiro em Goiás. Além de sua imensa
paixão pela pescaria que o afastava dos palcos constantemente.
Em 1927, foi contratado pela Rádio "Mairynk Veiga", onde faz as
primeiras amizades no mundo artístico: Uriel Lourival, Cândido
das Neves, além do pianista Béquinho.
Dois anos depois já estava na Rádio Sociedade, ganhando 20
mil réis por noite e convivendo com Gastão Formenti, Chico
Alves, Stefana de Macedo e outros artistas muito conhecidos na época.
Em 1930, Silvio Caldas assina contrato com a gravadora RCA Victor, e grava
o seu primeiro disco, o samba "Amoroso", música do próprio
Silvio com letras de Quincas Freire. Estava iniciada a carreira profissional
do cantor Silvio Caldas.
Somente em 1931, ainda pela RCA Victor, seria gravado o seu primeiro sucesso,
o samba "Faceira" do Ary Barroso
Em 1933, casou-se com Angelina. Deste casamento nasceu sua filha Silvinha,
que lhe daria 3 netos. Depois se casaria tantas vezes que até perderia
a conta das mulheres que passaram por sua vida.
Foi no Café Nice, ponto obrigatório dos cantores e compositores
da época, que Silvio conheceu aquele que seria o seu maior parceiro:
Orestes Barbosa, já compositor famoso. Orestes ficou impressionado
com aquele cantor jovem, de bela voz e grande facilidade para fazer canções
românticas.
As duas primeiras composições de Silvio Caldas/ Orestes Barbosa,
já foram dosi clássicos da nossa seresta - "Quase que eu
disse" e "Torturante Ironia", lançadas em disco no ano de 1935.
A partir daí sucessos foram se sucedendo, até a consagração
máxima da dupla, seno hoje praticamente impossível se fazer
uma seresta sem que se cante alguma composição de Silvio
Caldas e Orestes Barbosa.
Em 1937 a gravadora Odeon lançaria um disco que seria antológico.
Um 78 RPM, tendo em uma das faces "Chão de Estrelas", e no outro
lado "Arranha Céu", este disco não fez sucesso imediato,
mas passados quase 60 anos podemos dizer que "Chão de Estrelas"
é o hino da seresta brasileira e "Arranha Céu", um clássico
do gênero.
"Arranha Céu" nasceu da seguinte maneira: Para fazer os versos Orestes
Barbosa inspirou-se na discussão de um casal , que surpreendeu certa
noite no saguão do cassino da Urca, no Rio de Janeiro.
- Eu estava lá com Orestes - conta Silvio Caldas - a certa altura
o rapaz foi embora, e a moça ficou. Quando voltámos para
a casa, andando pela praia, Orestes começou a falar do rapaz:
"Agora ele foi pro apartamento, e vai ficar a noite inteira olhando a cidade,
esperando por ela". Dias depois quando nem me lembrava mais da briga do
casal, Orestes apareceu com a letra de "Arranha Céu", para que eu
colocasse a música.
Os versos de "Arranha Céu"dizem o seguinte:
"Cansei de esperar por ela
Toda noite na janela
Vendo a cidade a luzir
E nos delírios nervosos
Dos anúncios luminosos
Que são a vida a mentir
E cada vez que subia
O elevador não trazia
Esta mulher maldição
E quando lento gemia
O elevador que descia
Subia o meu Coração"
A amizade entre Orestes Barbosa e Silvio Caldas, iniciada no Café
Nice em 1934, cujos frutos produziriam tantas e belíssimas composições,
somente iria terminar com a morte de Orestes em 15 de agosto de 1956.
Na década de 40, dois acontecimentos contribuiram para mudar a situação
da nossa música popular, afastando os dois amigos: o fechamento
do Café Nice, ponto obrigatório dos boêmios da época
e o fechamento dos cassinos, determinado pelo então presidente da
república, Marechal Eurico Gaspar Dutra.
Silvio Caldas explica : "No fundo, nós paramos de compor porque
com fechamento do Café Nice, desapareceria também o ambiente
de boemia onde vivíamos".
Hoje passados tantos anos só resta a saudade. Silvio Caldas mudou-se
para Atibaia, onde reside em um sítio que raramente sai, onde provavelmente
recorda aquele tempo, com saudades do amigo querido, que a tanto tempo
se foi.
De Orestes Barbosa restam as músicas, resta a poesia e restam também
as serenatas.
E se você meu amigo, tiver o privilégio de ouvir uma serenata,
tenha a certeza que nela estão presentes, pelo menos em espírito,
estes dois grandes artistas brasileiros: Silvio Caldas e Orestes Barbosa.
Beni
Galter
Beni Galter
é radialista e empresário. Reside
em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. |