"PIXINGUINHA" - O HOMEM POEMA
Beni Galter
Bairro carioca da "Piedade". Fim do século. Mais precisamente dia
23 de abril de 1898, dia de São Jorge, dia de "Ogum". Neste dia
especial nascia Alfredo Vianna da Rocha Filho, que logo seria Pixinguinha.
Um dos maiores músicos brasileiros, de todos os tempos.
Na verdade, as primeiras letras não tinham para o menino, o mesmo
encantamento que exerciam as músicas que o pai (Sr. Alfredo Vianna)
executava em sua residência, juntamente com os amigos.
O menino ficava quieto, encolhido num canto da sala, com os olhos grudados
na flauta do pai, (flautista respeitado) e não perdia uma única
nota, daquelas valsas, polcas, e lundus da moda.
Quando o pai ou a mãe lembrava o adiantado da hora, achando que
não era hora de criança estar acordada. O pequeno Alfredo
era mandado para a cama. Contrariado, mas sem nunca protestar, ele obedecia.
A sua avó Edivirges, africana de nascimento, sabia ler a alma do
menino. Sabia quanto era difícil para ele deixar a sala para ir
dormir , ficando impedido de ver e ouvir aqueles músicos fantásticos,
cada um executando o seu instrumento de forma magistral, tirando dele notas
belíssimas. Mas ele obedecia. E a avó Edivirges aprovava
a conduta do neto, com uma expressão no seu dialeto natal: "Pizindin"
(Que quer dizer menino bom). A molecada da vizinhança concordava
com a velha Edvirges. Alfredinho era Batuta.
Não jogava futebol, mas era um bamba para empinar papagaios e jogava
muito bem "Bolinha de Gude". Os garotos o chamavam de "Bexiguinha", em
virtude das marcas que a varíola deixara no rosto do menino. "Pizindin"
e "Bexiguinha" com o tempo se misturaram, originando "Pixinguinha" que
ficou até o fim de seus dias.
Alfredo Vianna da Rocha Filho cresceu tocando uma flautinha de lata. Fazia
imitações de tudo que ouvia os grandes tocarem. Cada dia
com o ouvido mais apurado, aprimorava a técnica na flauta e, quando
não conseguia reproduzir na flautinha de lata alguma nota (até
pela limitação do instrumento) buscava outra nota para
substituir a primeira. O importante é que soasse bonito, e isso
ele sempre conseguia.
Paralelo aos conhecimentos observados do pai, o primeiro professor de flauta
oficial que Pixinguinha conheceu, se chamava Irineu de Almeida, e era hóspede
da Pensão Vianna, mantida pela mãe do menino, num casarão
de 8 quartos, à Rua Vista Alegre, para onde a família havia
se mudado.
Animado com o progresso conseguido pelo filho, o velho Vianna sacou umas
economias e importou uma flauta diretamente da Itália, que na época
custou a exorbitância de $600,000.
Com apenas 14 anos, levado pelo irmão "CHINA", Pixinguinha foi contratado
para tocar no " Conjunto da Concha ", que se apresentava na casa de chope
da Lapa.
- " Uma Copacabana em miniatura ", nas palavras de Pixinguinha.
Pouco depois foi contratado para tocar na orquestra do Teatro Rio Branco.
Quando foi apresentado aos músicos da orquestra provocou risos,
porque ele era um menino no meio daqueles homens de grossos bigodes, como
era costume da época. Mas foi só dar os primeiros acordes
em sua flauta, para que todos o olhassem com admiração. Em
1915 começou a fazer suas primeiras orquestrações
para cinemas, teatros, circos, etc... sua primeira gravação
foi na " favorit record " em 1911, com a música " São João
debaixo d’água ". Nesta gravadora ficou 3 anos, depois se transferiu
para a Odeon.
Grande compositor, muito versátil, ao longo de sua carreira fez
músicas de diversos ritmos, tais como choros, valsas, maxixes -
dando a cada composição o toque de mestre, o toque de sua
genialidade. Dentre as sua músicas vamos citar apenas duas que dão
a dimensão exata de seu talento: "Rosa" e "Carinhoso", ambas gravadas
pelo não menos genial Orlando Silva.
Em 1972, sua esposa ( D. Beti ) ficou doente e foi internada no hospital,
em condições nada boas. Em casa, em companhia do filho (
adotivo ) Alfredo, da nora e dos netos, sentia muita falta da companheira
de 45 anos de convivência. Examinado pelos médicos, foi determinada
também a sua internação. " Beti não pode saber
disso " foi a condição estabelecida para ser internado. E
D. Beti nunca soube que seu marido estava também doente, e internado
no mesmo hospital. Aos domingos, na hora da visita, Pixinguinha trocava
o pijama pelo terno, e subia 2 andares para visitar " sua mulher. Ela morreu
no dia 7 de julho sem saber o que acontecia com o marido.
Das músicas compostas por Alfredo Vianna da Rocha Filho, a mais
popular, sem dúvida, é o choro/canção "Carinhoso",
que ficou 20 sem receber a letra conhecida por todos, porque seu autor
não a considerava de boa qualidade.
Conta Orlando Silva, que às vezes a ouvia no Dancing do Eldorado
no Rio. Numa destas vezes, pediu para gravá-la.
Ao ser informado pelo autor que a música não possuía
letra, Orlando teria levado "João de Barro" ao Dancing Eldorado,
para que ouvindo a música pudesse fazer uma letra para a mesma.
Quatro dias depois a letra de "Carinhoso" estava pronta, e Orlando Silva,
então no auge de sua carreira, gravaria esta página definitiva
de nossa música popular.
Em 1950, com a chegada de "bolero" e do samba-canção, Pixinguinha
ficou meio esquecido. Já no final de 1957, com a "bossa-nova" que
surgia, acontecia a redescoberta dos grandes valores de nossa música,
e entre eles naturalmente Pixinguinha.
Em 1964, sofre um infarte, e este fato lhe tira as melhores coisas da vida,
as coisas que ele mais gostava, os serões com amigos e o "whisky".
Nesta época ficou internado numa clínica durante 20 dias;
e fez 20 músicas, uma por dia.
No dia 17 de fevereiro de 1973, Pixinguinha ia ser padrinho de batismo
de um garoto, numa igreja em Ipanema. Estava em companhia do filho Alfredo
e de sua nora, enquanto a cerimônia não começava, conversaram.
De repente Pixinguinha sentiu-se mal. Não houve tempo para nada.
A equipe médica chamada as pressas nada pode fazer. Pixinguinha
morreu na sacristia da igreja da Paz, em Ipanema no Rio de Janeiro, às
4h30m do dia 17 de fevereiro de 1973.
Morreu o grande músico como desejava: cercado de carinho de seus
amigos, tranqüilo, na casa de "Deus".
Santa Bárbara
D’Oeste, 27 de Fevereiro de 1997
Beni
Galter
Beni Galter
é radialista e empresário.
Reside
em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. |