ORLANDO SILVA
O cantor das multidões
Beni Galter
De1935 a 1942, Orlando Silva foi
o mais perfeito cantor popular do Brasil, e um dos melhores do mundo.
Não há um pingo
de exagero nesta afirmação. É só comparar os
discos de Orlando desta fase, com o de outros cantores, como Bing Crosby,
dos Estados Unidos, ou Charles Trenet, na França - cantores que
deram nuanças de elegância à musica popular - pondo
fim aquelas interpretações de barítonos e tenores,
numa ‘gritaria’ ensurdecedora.
A música popular pedia
mais leveza e harmonia na sua forma de ser interpretada mais suavidade.
E Orlando Silva possuía tudo isso.
Com o aparecimento de Orlando
Silva, por volta de 1934, a nossa música popular sofreria uma revolução
definitiva, que iria doravante exercer a sua influência sobre outros
cantores, compositores, orquestradores de tal forma, que em poucos anos
nossa música seria muito melhor.
Desde seu aparecimento até
o princípio de sua decadência, a época de Orlando Silva
duraria apenas sete anos. Voz admirável de tenor cristalino, capaz
de viajar dos graves aos agudos com grande facilidade. Timbre de beleza
e maciez inigualáveis. Técnica respiratória perfeita
que entrelaçava frases e palavras sem se permitir respirar entre
elas, este cantor, quase um menino de apenas 19 anos, aparecia no cenário
da radiofonia brasileira, trazido pelas mãos mágicas de Francisco
Alves, o rei da voz.
Na primeira metade dos anos 40, alguma coisa
aconteceu a voz de Orlando Silva. De repente, sem que seus milhares de
admiradores conseguissem atinar com as razões, sua voz perdeu a
juventude e a beleza cristalina de alguns anos antes.
O timbre maravilhoso dos ‘pianíssimos’
delicados, cedeu lugar a um tom roufenho, cansado e sem cor, que os perplexos
adoradores não conseguiam entender e menos ainda explicar.
Afinal, o que tinha acontecido
com Orlando Silva? Era dramático porque nenhum cantor no Brasil
tinha sido tão adorado como ele.
E, principalmente, porque
o próprio cantor parecia não se dar conta de que já
não era o mesmo. Em maio de 1942, quando gravou os seus últimos
discos na RCA Victor, Orlando ainda era extraordinário.
Passou os seis meses seguintes
sem gravar. Quando reapareceu, já em sua nova gravadora, em novembro
daquele mesmo ano, era como se sua voz tivesse envelhecido alguns anos.
E não se podia dizer que fosse a idade, porque aquele Orlando subitamente
envelhecido, tinha 27 anos de idade.
Orlando Silva gostava de contar que seu pai,
o senhor Celestino da Silva, além de funcionário da Central
do Brasil também fora exímio violinista, tendo inclusive
participado do lendário conjunto 8 Batutas, liderado por Pixinguinha.
Aliás, aquela pequena
casa de engenho de dentro, subúrbio do Rio de Janeiro, onde Orlando
nasceu a 3 de outubro de 1915, era freqüentada por Pixinguinha e mais
alguns grandes músicos, que praticavam o esporte predileto dos suburbanos
cariocas da época - as rodas de chorinho.
É possível que
o pequeno Orlando, sem nem de longe desconfiar, tenha tido o seu sono de
garoto ‘embalado’ pela valsa ‘Rosa’, a canção favorita de
sua mãe, D. Balbina, composta por Pixinguinha em 1917, e que Orlando
gravaria vinte anos depois, com letra de um obscuro mecânico do Meyer,
chamado Otávio de Souza, e que se transformaria em um eterno sucesso
do cantor das multidões.
Depois de muita luta em busca de uma oportunidade,
a grande chance de Orlando Silva aconteceu quase por um acaso em junho
de 1934, quando o compositor ‘Bororó’ ouviu cantar num dos corredores
da Rádio Cajuti, no Rio de Janeiro.
Bororó empolgou-se com
a voz de Orlando e, depois de saber que ninguém se dispunha a lhe
dar uma oportunidade. Levou-o ao Café Nice, na galeria cruzeiro
onde o apresentou ao homem mais influentes do rádio, do disco e
da música popular na época - Francisco Alves.
Chico Alves recebeu o quase
menino Orlando Silva em sua mesa no ‘Nice’ e. por causa do barulho .convidou-o
para irem até o seu carro estacionado ali perto. Chico, instalado
no banco da frente, pediu ao nervosíssimo Orlando que cantasse alguma
música do repertório do Silvio Caldas.
Orlando cantou a valsa ‘Mimi’.
Chico, já meio entusiasmado, foi até a porta - malas do carro
apanhou o violão, e pediu outras melodias, cantadas magistralmente
por um Orlando agora bem mais calmo, tendo ao violão um Chico Alves
deslumbrado com a descoberta.
Duas semanas depois, Orlando
Silva estreava no programa do Chico Alves na própria Rádio
Cajuti.
Francisco Alves talvez nunca
imaginasse que, com a série de 152 gravações que faria
na RCA Victor a partir de janeiro de 1935, Orlando Silva não apenas
deixaria Silvio Caldas para trás, como também superaria o
próprio ‘Rei da Voz’, ao se tornar o maior fenômeno vocal
da música popular brasileira em todos os tempos.
O Orlando Silva dos últimos
tempos era um homem triste, mas sem revolta. Era incapaz de culpar a quem
quer fosse pelo turbilhão que cortou pela raiz uma das mais brilhantes
carreiras do cantor neste século.
Os seus admiradores, porém,
trocavam diversas versões entre si. Falou-se em bebida, cocaína,
e claro, na presença de uma mulher.
Mas estas versões eram
vagas, inconclusas, e sabe-se hoje, injustas para com os envolvidos.
Durante a vida de Orlando Silva
- até 7 de agosto de 1978, quando morreu com 62 anos de idade -
foi impossível apurar a verdade. O próprio Orlando não
tocava no assunto. Na verdade, nunca admitiu que sua voz declinara. E seus
amigos respeitavam esse sentimento.
Em fins de 1942, Orlando Silva
e Nelson Gonçalves entraram num botequim na Lapa certa noite para
tomar um café. O rádio do bar tocava casualmente ‘Por Quanto
Tempo Ainda’, gravada por Orlando em 1939. Orlando deixou-se ficar ouvindo
os ‘Pianíssimos’ com que sua insuperável voz ornamentava
a belíssima valsa de Joubert de Carvalho. Voltou-se, então,
com os olhos cheios de lágrimas e disse:
- Olha Nelson, este sou eu
...
Nelson Gonçalves assentiu.
Mas no seu íntimo, com o coração pesado, Nelson sabia
que aquele não era Orlando Silva, infelizmente. Aquele cantor magistral
‘tinha sido’ Orlando Silva.
Santa Bárbara
d’Oeste, 17/04/1998
Beni
Galter
Beni
Galter é radialista e empresário.
Reside
em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. |