Portal da Seresta Brasileira

 


 


 


 


 


 


 
 


 
 


 
 
 


 
 
 


 
 
 


 


 


 


 


 
 


 
 


 
 



 


 
 


 
 


 
 


 


 
 
 


 
 
 


 


 
 
 
 


 

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LUPICÍNIO RODRIGUES  - O INVENTOR DA "DOR DE COTOVELO "
             Lupicínio Rodrigues, autor de muitas músicas de sucesso, inventor do samba "Dor de Cotovelo", teve uma vida digna de um romance. Quase todas as suas músicas retratam uma estória, uma verdade. Sua fama de conquistador, aquele que vive nas madrugadas com os amigos e mulheres da vida, criou para Lupicínio, a imagem da inconstância afetiva, e esta imagem ele carregou por toda a vida.

            Defensor ardente da boemia, certa ocasião , em uma festa em que o homenageado era ele próprio, foi interpelado por uma senhora que lhe perguntou: "Se achava bonito um homem casado, ser boêmio, passar as noites fora de casa, ter uma porção de mulheres, abandonando em casa, sozinha, a sua própria mulher?"

            Lupicínio, depois de um breve instante em que todas as atenções se voltavam para ele, respondeu - "Minha senhora, ser boêmio não é ser conquistador, muito menos Don Juan. O verdadeiro boêmio não tem mais de um lar. E quando volta pra casa toda madrugada, dá a sua verdadeira esposa uma grande prova de amor. Porque com este regresso ele demonstra que é a esposa que ele prefere, que ama. As outras são mero passatempo."

            Uma vez, depois de presenciar uma briga entre seu irmão (Francisco) com a esposa, pelos ciúmes exagerados que ela tinha do marido, fez o samba "Brasa", gravado pelo Orlando Silva, cuja letra dizia o seguinte:

" Você parece uma brasa
Toda vez que chego em casa
Dá-se logo uma explosão
Ciúmes de mim não acredito
Pois meu bem não é com grito
Que se prende um coração..."

            Em 1939, Lupicínio foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Com ele foi também o seu amigo Ari Valdez, apelidado de "tatuzinho", porque sendo analfabeto, "assinava" o nome desenhando um tatuzinho. Além de ser um cômico nato, Lupicínio achava tatuzinho um verdadeiro gênio. Ari chegou a ter um show no lendário Cassino da Urca, no Rio. Entrava no palco carregando uma enorme caixa de violoncelo, e dali tirava um minúsculo cavaquinho que executava com maestria.

            Um dia Tatuzinho participou da gravação de um disco de uma cantora que estava começando. Gravou o disco e se apaixonou por ela. Acabou casando, e tendo um filho com Elizeth Cardoso, a cantora em questão. Mas as coisas entre ambos não andaram muito bem, e o casamento se desfez um mês e meio depois. Tatuzinho voltou para Porto Alegre, e, segundo Lupicínio, "morreu de amor" alguns dias depois, na maior tristeza do mundo.

            Aos boêmios tudo ( pensava Lupicínio), um alto estado de espírito, um gostoso e vago entorpecimento pelo álcool, e a natural sensação de felicidade - coisa dificilmente encontrada na disponibilidade do tempo, no senso do humor, no astral geral, no clima todo. A noite é sempre uma criança e, dentro dela, os que vivem atrás do prazer, na busca eterna de um lugar e, acima de tudo, de um momento para ser feliz.

            Lupicínio Rodrigues, assim como outros gaúchos famosos, nunca conseguiu ficar muito tempo longe de sua terra. Deve ter sido o único compositor a fazer sucesso na época de ouro do Rádio Brasileiro, que continuou morando em sua querida Porto Alegre, não se mudando para o Rio, como faziam todos.

Quando tinha 17 anos, Lupicínio compôs o xote Felicidade, gravado originalmente pelos Quitandinha Serenaders em 1947, e depois por Caetano Veloso em 1974:

"Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora."

            Se Lupicínio tivesse tido outras parcerias, e outros amigos, com certeza a sua obra musical não teria sido a mesma. Suas letras nasciam das observações que fazia de problemas do cotidiano, que ele inteligentemente transformava em versos para suas obras.

            Hamilton Chaves, grande amigo de Lupicínio, e o mais jovem do grupo de boêmios que todas as noites percorriam Porto Alegre, resolveu se casar. Lupicínio ficou apavorado, argumentou, moveu céus e terras, e nada conseguiu. Hamilton estava apaixonado, ia se casar e ponto final. Separaram-se naquela madrugada de forma meio brusca, depois de terem tido uma séria discussão, onde Hamilton permaneceu intransigente. Dias depois, estando todos juntos novamente, Lupicínio pediu o violão e mostrou o samba que havia feito para Hamilton. A letra diz assim:

"Esses moços ... Pobres moços ...
Ah, se soubessem o que sei
Não amavam não passavam
Aquilo que eu já passei ...
Por meus olhos ... por meu sangue
Por meus sonhos ... tudo enfim
É que peço a estes moços
Que acreditem em mim."

                Havia um pianista, muito amigo de Lupicínio, que tocava todas as noites nas boates lá do Rio Grande, até alta madrugada. Casado com uma mulher lindíssima, e muito ciumento, levava consigo a mulher a todos os lugares onde ia tocar, por medo de deixá-la só em casa. Onde iam, ela despertava atenção pela sua beleza, deixando o marido quase louco. Lupicínio, observando esta situação, compôs "Quem há de dizer", cuja letra diz o seguinte:

" Quem há de dizer ... Que quem vocês estão vendo
Naquela mesa bebendo ... É o meu querido amor
Repare bem que toda vez eu ela fala ...
Ilumina mais a sala ... do que a luz do refletor
O cabaré se inflama quando ela dança ...
E com a mesma esperança ... Todos lhe põe olhar
E eu o dono ... Aqui no meu abandono ...
Espero morto de sono ... O cabaré terminar!"

            Vejam bem a objetividade destes versos, a força que eles possuem criando uma imagem forte, retratando com maestria o drama íntimo do pianista. A gente chega a enxergar o quadro, tal a força dos versos de Lupicínio.

            O saxofonista Marino, o violonista Boquinha, o cantor Sadi Nolasco, os pianistas Paulo Coelho e Alcides Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e Hamilton Chaves, formavam, nos anos 30, uma turma inseparável. Nas folgas do trabalho do Café Colombo e Rádio Farroupilha, caíam na malandragem, fazendo serenatas inesquecíveis. Algumas terminavam às 8 da manhã, em pleno centro de Porto Alegre.

            Uma vez este mesmo grupo resolveu fazer uma serenata para um amigo que havia morrido alguns dias antes. Era meia-noite, e foram até o cemitério. Pularam o portão e foram até o túmulo do amigo, onde cantaram todos. Depois, na saída é que tiveram a grande surpresa: uma viatura da polícia esperava os seresteiros com as portas abertas, e um dos guardas convidava educadamente: "Cavalheiros, vamos entrando por favor ...".

            Desta forma viveu este gaúcho fantástico, nascido a 16 de setembro de 1914, no bairro da Ilhota, cidade de Porto Alegre, R.S., e falecido às 14 horas do dia27 de Agosto de 1974, no hospital Ernesto Dornelles, na mesma cidade.

            De Lupicínio Rodrigues já disseram muitas coisas, mas talvez a melhor definição de sua obra tenha sido dada por um músico, durante o enterro do compositor. Ele disse: "A melodia de Lupicínio tinha muito riqueza melódica, e suas letras tinham fundamento, eram originais. Falavam das coisas da vida."

            Uma coisa é certa: Sem Lupicínio Rodrigues, a música popular brasileira ficou extremamente mais pobre.
 

Beni Galter
09 / 04 / 97
Beni Galter



Beni Galter é radialista e empresário. 
Reside em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. 
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