O compositor Klecius Caldas foi grande amigo do músico Waldir Azevedo.
Uma das grandes alegrias de Klecius foi escrever e produzir dois shows
do seu amigo Waldir. O primeiro, quando Waldir ainda era vivo e participante,
o segundo, uma homenagem póstuma ao grande músico e compositor.
Embora tivessem vivido muitos anos na cidade do Rio de Janeiro e Waldir
tivesse gravado algumas composições de Klecius Caldas, somente
foram se conhecer pessoalmente na cidade de Brasília, capital do
país, onde Waldir residia já alguns anos, e para onde Klecius
se mudou. Entre ambos nasceria uma sólida amizade, somente interrompida
com a morte de Waldir, 4 anos após se conhecerem.
Waldir Azevedo mudou-se do Rio de Janeiro para Brasília, em virtude
do grande desgosto que sofreu com a morte prematura de sua filha Miriam
com apenas 18 anos de idade ... Afastou-se do Rio e também do cavaquinho,
que pretendia nunca mais tocar...
Klecius Caldas, além de compositor, era também militar. Sua
fase de grandes composições aconteceu quando morava no Rio
de Janeiro, e seu parceiro constante era o Armando Cavalcanti, com quem
fez grandes músicas: "Velhas Cartas de Amor", gravada pelo Chico
Alves, "Boiadeiro", gravada pelo Luiz Gonzaga, "A Lua é dos Namorados".
Gravada por Ângela Maria, "Casamento é Loteria", com Nelson
Gonçalves, "A Marcha do Gago", com Oscarito, e muitas outras...
Ao conhecer Waldir Azevedo em Brasília, e tendo com este um contato
quase que diário, Klecius, que há mais de 3 anos nada compunha,
passou a sentir novas inspirações. Suas novas músicas
agradaram tanto que Waldir resolveu convidá-lo para juntos efetuarem
um show beneficente, que seria apresentado em Brasília.
A primeira parte deste show era composta pela apresentação
de Waldir Azevedo e Regional, naqueles magistrais números de solo
de cavaquinho, especialidade de Waldir. Depois, ao som de sucessos de Klecius
Caldas e Armando Cavalcanti, Waldir e Klecius, sentados em um banco de
madeira em pleno palco, conversavam sobre música brasileira, seus
autores, seus intérpretes ...
Aliás a figura singular do boêmio Armando Cavalcanti era focalizada
com destaque nas conversas deste show. Por exemplo: a mania que Armando
tinha de só sair de casa depois da meia-noite, sua implicância
com os padrões convencionais do cinema americano, onde o galã
entra em um restaurante, encomenda um prato suculento e quando o garçom
o serve Armando observa: "Veja, ele não vai comer" - de fato, acontece
sempre alguma coisa que o impede de comer - "Também na hora de pagar,
eles tem sempre dinheiro certo, mesmo sem perguntar o preço. Nunca
vi receberem troco."
Uma vez estávamos assistindo um bangue-bangue, e o chefe do bando
ordenou: "Metade fica aqui, a outra metade volta pro rancho." E lá
se foi para o rancho a metade matematicamente certa, rigorosamente exata
de volta ...
O Armando Cavalcanti era um crítico mordaz destas situações:
"Veja, como eles sabem quem é a metade? Ninguém contou ..."
- e "chiava" na poltrona do cinema.
Waldir também contava fatos de sua vida. Por exemplo: vindo do Rio,
completamente desolado com o falecimento da filha, afastou-se da música,
passando a dedicar-se inteiramente ao seu jardim, e à enorme criação
de periquitos australianos que criava.
Um dia cortava grama em seu jardim quando foi chamado ao telefone. Ao voltar,
num momento de distração, colocou a mão dentro da
máquina sem se lembrar que ela estava ligada. Resultado: um pedaço
do dedo decepado. Correria para o hospital, corrida de volta pra casa na
esperança de achar em pleno gramado o pedaço do dedo cortado...
Que, graças a Deus, e ao Dr. José Aristeu, foi reimplantado
com absoluto sucesso.
Tempo depois, à custa de muito exercício, muita dedicação
e horas intermináveis de treinamentos, tinha Waldir Azevedo novamente
o domínio do "cavaquinho" que havia sido abandonado por ocasião
do falecimento da filha querida.
Em agradecimento a Deus pela sua plena recuperação, verdadeiro
milagre, Waldir Azevedo compôs "Minhas mãos ... Meu cavaquinho",
um hino de louvor a Deus e à própria vida.
Outro fato interessante ocorrido com Waldir é a história
da composição do seu maior sucesso, a música "Brasileirinho".
Ao chegar em casa, quando ainda morava no Rio, Waldir encontra seu sobrinho
de aproximadamente cinco anos de idade, que lhe entrega um cavaquinho de
plástico quebrado e lhe pede:
- "Tio, toca alguma coisa pra mim ...
- "Eu gostaria, meu filho, mas só tem uma corda."
- "Ah, tio, toca assim mesmo."
Waldir então, tentando contentar o menino, começa a tirar
uns acordes do cavaquinho de uma única corda, sem imaginar que aquelas
notas musicais depois de "trabalhadas" dariam na sua composição
mais famosa: "Brasileirinho", título dado a música em homenagem
ao seu sobrinho, um "Brasileirinho" de cinco anos.
João de Barro - Braguinha - grande compositor brasileiro, autor
da letra do imortal "Carinhoso" e outros sucessos. Era também diretor
artístico da gravadora Continental. Ouvindo Waldir tocar "Brasileirinho",
convidou-o a gravar a música.
O sucesso foi arrasador. Tempos depois se encontraram.
- Já foi na gravadora receber? - pergunta Braguinha.
- Será que tem alguma coisa? - responde Waldir.
Alguns dias depois, aproveitando o horário de almoço na "Light"
onde era modesto funcionário, Waldir foi até à Continental.
- Meu nome é Waldir Azevedo.
- E daí? - responde o mal encarado funcionário do balcão.
- É que gravei um disco, e o seu João de Barros me disse
que tem um dinheiro...
- Hum...
Passam-se uns 15 minutos. O homem nada simpático estava contando
o dinheiro, que naquele tempo era de muitas notas e poucos zeros, mas de
muito valor. Waldir estava preocupado em voltar ao trabalho, pois ainda
nem tinha almoçado.
- Desculpe, senhor, mas gostaria que me atendesse por que tenho que trabalhar.
- E o que é que estou fazendo?
Waldir Azevedo desce correndo as escadas, compra um jornal, volta, embrulha
tudo, uma pilha enorme de dinheiro, desce de novo, toma um táxi,
e vai direto pro subúrbio do Meyer onde morava.
Sua mulher, vendo-o chegar aquela hora, ainda de táxi, corre à
porta aflita, querendo saber o que houve. Waldir, sem dizer uma palavra,
passa por ela, vai para o quarto, rasga os jornais e joga satisfeito tudo
aquilo sobre a cama.
A mulher, vendo tanto dinheiro, ainda mais assustada arregala os olhos
e diz:
- Meu filho, o que você fez? Assaltou um banco?
Santa
Bárbara d’Oeste, 19 de Maio de 1998
Beni
Galter
Beni
Galter é radialista e empresário.
Reside
em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. |