Não são
poucos nossos questionamentos quanto a sentimentos que nos assaltam e nos
envergonham muitas vezes. Estou falando nós porque o assunto sempre
sai, em conversas, em e-mails e, principalmente em nossos textos, apesar
do cuidado que tomamos. Mas peço que os leitores tenham sempre presente
o “eu” que escreve, pois que nada estou a dizer que não precise
também ouvir.
Em primeiro lugar, temos uma vaidade
à flor da pele. Vaidade justa, pois nos reconhecemos como privilegiados.
O dom de expressar sentimentos e atingir sentimentos alheios é de
fato um privilégio. Vaidade justa, repito. Mas prejudicial quando
se torna exacerbada e dela perdemos o controle. Ela nos transforma em antipáticos
e presunçosos diante dos outros e, ante nós mesmos, deturpa
o que na realidade somos para nos mostrar uma imagem falsa na qual acabamos
por acreditar. Pior, ela nos convence de tal forma de que somos os maiores
e melhores, que simplesmente estacionamos: por que aumentar o já
ilimitado?
Falei de responsabilidade. Como
a nossa é grande quando escrevemos e publicamos! E cresce muito
se considerarmos o fato de nunca sabermos quem e quantos alcançamos.
E será que nos questionamos a respeito? Claro que não podemos,
nem queremos, manipular o leitor, dirigir sua interpretação
do texto, forçá-lo a crer no que dizemos ou a seguir o que
pretendemos ser o certo. Mas, como leitores que somos, sabemos que nunca
saímos os mesmos depois de uma leitura e, muitas vezes, conforme
o grau de nosso respeito ao escritor, saímos definitivamente influenciados
por ele. E, aqui, talvez seja importante lembrar do respeito que todo leitor
merece de nós. Se tivermos isso bem presente, talvez deixemos de
publicar alguns textos...
Isso claro, falemos dos sentimentos
que aqui chamo “menores”, objetivo deste artigo.
O poeta, principalmente o poeta
entre os escritores, tem a ânsia dos grandes sentimentos. O maior
- o dono do trono - o Amor. Quando ama e é amado, no poeta o sentimento
se transforma em necessidade, a mola que impulsiona a inspiração.
Quando não ama e não é amado, no poeta o sentimento
se transforma em vazio e se torna martírio. Por isso o poeta persegue
ininterruptamente o amor e, quando não o tem concreto, fantasia
a ponto de dar-lhe vida própria. Esse da fantasia não cria
tantos casos... mas, o concreto... Sim, o amor que é grande, sentimento
maior, gera e multiplica sentimentos menores, picuinhas como ciúme,
inveja, posse. E as contradições se apresentam gritantes:
o amor tem que ser livre e, entre conflitos e fraquezas, acaba se transformando
em prisão, o que só pode ser traduzido por não-amor.
O ser amado, que deve ser livre para ser feliz e crescer, ou se rebela
e desiste da luta, abandonando quem o quer submeter, ou transforma-se em
escravo, submisso, e vai diminuindo até desaparecer. E o que cresce
em cada um, e o que se extravaza na criação poética
é, infelizmente, o desamor, com seu ranço, sua mágoa
e sua frustração.
Deixando uma lista de sentimentos
menores, gostaria muito de refletir aqui sobre o sentimento de posse, que
é o carro-chefe dos demais e que, sob controle, pode nos levar ao
controle de todos os outros. Controlar o sentimento de posse seria o que:
não dizer minha ou meu? não sentir ciúme? não
se sentir magoado, mesquinhamente magoado, quando o(a) outro(a) se sobressai?
e poderia aqui acrescentar uma série de perguntas que surgirão
certamente na mente de cada leitor. Seria absurdo e até ridículo
exigir tudo isso de nós mesmos. Os sentimentos – maiores e menores,
como convencionamos chamar – são nossos, fazem parte da condição
humana. Não podemos negá-los, nem mesmo nos arvorarmos de
estar acima deles. Sabemos todos como e quanto os sentimos e sofremos por
eles. Mas sabemos também, e quem não sabe procure saber,
o quanto somos capazes de controlá-los, não permitindo que
tomem conta de nós. Se o permitirmos, tomam conta mesmo, graças
à própria mesquinhez de que é dotado. E, quando se
instalam, quase sempre o desastre está consumado. O desgaste da
relação é inevitável e a morte do amor está
decretada.
Pensemos um pouco no como vencer
a luta dentro de nós mesmos. Como estamos falando de relação,
a idéia fundamental é o diálogo. Termos bem presente
o que pensamos em “tempos de paz”, propósitos feitos, intenções
as melhores. Expormo-nos mutuamente essas reflexões e conclusões
teóricas. Isso só poderemos fazer se nos colocamos nus, despidos
de nossas capas de defesa, sem medo de cobranças que dessa exposição
poderão advir. Temos que ter a plena disponibilidade de ouvir até
o fim algo que possa nos estar magoando, para só então discutir
com a isenção de que formos capazes. Além da disposição
difícil de receber a verdade do outro, buscando através dela
a nossa própria verdade. E aqui chegamos a outra exigência
fundamental no diálogo: a verdade. Inteira, nua e crua, sem qualquer
disfarce que a possa deturpar. A certeza de que a verdade que machuca ainda
é mais bonita que a mentira que alisa. Fácil falar, difícil,
muito difícil viver. Olhar para dentro de nós e encarar nossa
verdade é um dos exercícios mais árduos e mais necessários.
Assumir fraquezas, as que temos, principalmente aquelas que contradizem
o que pregamos. E aqui lembramos da humildade de nos assumirmos falhos,
incorretos, incompletos, tão diferentes do que queremos parecer.
Tudo isso que se nos apresenta como algo aterrador, adquire luz e brilho
no clima do amor. Aquilo que julgamos que, se confessado, poderia ser o
golpe fatal no amor que se quer recuperar, torna-se exatamente o instrumento
da salvação do mesmo amor.
A mim parece que o ciúme
é o pior e mais terrível dos sentimentos que ferem, deturpam
e matam o amor. Porque ele cresce escandalosamente, toma conta de nós
em muito pouco tempo, sugere-nos hipóteses e as transforma em certeza
rapidamente, sem nenhuma prova concreta. O ciúme tem a capacidade
de nos convencer da existência do inexistente, de que é verdade
uma mentira, nos faz ver pessoas, coisas e lugares que nunca existiram,
nos faz antever situações enganosas. E o que é o ciúme
senão a desconfiança no ser amado? De onde concluímos
que, em qualquer relação, a confiança é fundamental.
Assim como é perfeitamente dispensável o orgulho que nos
inspira o medo de sermos enganados. E daqui é um passo para refletirmos
sobre conceitos que estão enraigados em nossas mentes e que nunca
foram revistos, como traição e fidelidade. Bem, isso seria
outro papo... Mas não custa nada cada um de nós examinar
um pouco tais conceitos, tentando nos posicionar ante eles... E sem fugirmos
do nosso tema, pois eles estão intimamente ligados. |